sexta-feira, maio 27, 2011

Memória: Manuel Poppe e os seus "Trabalhos e Dias"


Há quem diga que os meios de comunicação "internautas" (digitalmente falando) servem a imensa feira de vaidades em que todos nos enovelamos. Bem, cá está mais uma pequena vaidade em homenagem a um amigo.

"Sabe, Manuel, lá por ter sido homenageado, não quer dizer que agora já possa ser esquecido!"

E que bem sabe lembrar sempre Manuel Poppe através da leitura. Cá para mim, virá dele, brevemente, mais um grande momento de leitura.

Mas isto sou eu a adivinhar! Ou a constatar?

Ver mais fotos (quanto a mim um excelente trabalho do Arménio Bernardo) da exposição "Trabalhos e Dias", dedicada a ele, aqui ou ali.

terça-feira, maio 24, 2011

15. Crónica Diária na Rádio Altitude (2.ª temporada) – Crónica da ilusão ou “trinta mil milhões de quê?”

1. Sempre gostei de ilusionismo. Aquela aparente irrealidade que se condensa na arte de furtar aos olhos aquilo que não interessa vislumbrar sempre me deixou fascinado e tremendamente desconfiado. O grande David Copperfield encheu então a minha meninice de desconfiança e de uma suprema admiração. Era ele o grande mágico e o meu ídolo no mundo da ilusão. Assim sendo, li livros sobre magia, vi filmes e séries, olhei com redobrada atenção os movimentos e fiquei na mesma. Confesso-vos que não conseguia perceber como é que aqueles grandes artistas conseguiam ludibriar os meus olhos e levar-me a acreditar que tudo aquilo era a suprema realidade. O que é certo é que conseguiram iludir-me durante largos anos, conseguindo fazer com que eu imaginasse mundos alternativos e mágicos embebidos em truques de fazer cair o queixo. Posso dizer-vos que fico, ainda hoje, algo chateado com o facto de ser ludibriado por estas artes, mas agora sei que tudo não passa de uma arte feita entretenimento e consigo dormir descansado e menos desconfiado.

(...)


Guarda, 23 de Maio de 2011
Daniel António Neto Rocha

(Crónica Radiofónica - Rádio Altitude, no dia 24 de Maio de 2011 - disponível em podcast em Altitude.fm)

domingo, maio 22, 2011

Vi: "Futebol de Causas", de Ricardo Antunes Martins

A História de Portugal é um caleidoscópio de acontecimentos, parecendo uma história surreal e com contornos de magia. Hoje, apeteceu-me partilhar convosco um pouco de um documentário que já vem a caminho de minha casa.
E se o futebol se tranformasse numa arma política? E se a bandeira das reivindicações académicas fosse um rectângulo verde e onze camisolas negras? Tudo isto acontece em "Futebol de Causas". É um documentário alternativo que apresenta a essência das movimentações da Academia de Coimbra no período que precede as eleições presidenciais de 1958 e a crise académica de 1969. É um documento fenomenal e que todos nós, cidadãos amantes ou não amantes de futebol, deveríamos conhecer.
Afinal a liberdade fez-se de múltiplas formas, não foi?



FUTEBOL DE CAUSAS - trailer oficial from Persona Non Grata on Vimeo.

quarta-feira, maio 18, 2011

5000


Obrigado pelas vossas leituras! Vão vindo e comentando, pois aqui não há repúdios nem propaganda partidária!

sexta-feira, maio 13, 2011

Poema motivado pelo Manuel António Pina

Naquela semana, já saudosa, dos inícios de 2010, quando a Guarda começou a homenagear da melhor forma (através do contacto, da análise, da leitura, ...) os escritores com ligações reais à cidade, orgulhei-me de ser um dos que leram e declamaram Manuel António Pina ao longo do Ciclo com o seu nome.






O poema que declamei na altura, na sessão de leitura no Teatro Municipal da Guarda, foi:

A UM JOVEM POETA

Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
De ti. Procura-a em prosa, pode ser

que em prosa ela floresça
Ainda, sob tanta
Metáfora; pode ser, e que quando
Nela te vires te reconheças

como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança

Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.




Depois de contactar com este poema, decidi responder-lhe. Agora que o reconhecimento da obra deste excelente autor é real, e realmente lusófono, quero partilhar convosco este poema e deixar-lhe, a ele, esta humilde oferenda:


Aviso a um navegador de jardins feio!

(a Manuel António Pina)

Alimenta-te da rosa!
Busca-a incessantemente
Perscrutando montes
E ribeiros
E até algumas
Lixeiras.

Coloca-a na grosa
Afinando as suas
Curvas petalares
E multiplicando
Os seus ais.

Relembra-lhe a
Infância, semente
De tempos perdidos
Envolta em manto
Morto e
Nauseabundo.

Então, talvez...
Nota que a sua beleza
Passa, rápida e mutável,
E a tua solidifica,
Onde ninguém a vê!

(20/01/2010)

terça-feira, maio 10, 2011

14. Crónica Diária na Rádio Altitude (2.ª temporada) – Crónica de Chora-Que-Logo-Bebes ou da virgem socrática entristecida

1. Em 1933, enquanto escrevia periodicamente pequenas histórias para a gazeta juvenil O Sr. Doutor com o pseudónimo de Avó do Cachimbo, José Gomes Ferreira estava muito longe de saber que a sua alegoria sobre o Portugal dos anos 30, intitulada As Aventuras de João Sem Medo, ganharia uma dimensão tremendamente actual oitenta e tal anos depois, e que daria azo a uma crónica radiofónica na cidade da Guarda. Para quem não conhece esta pequena pérola literária de aparência juvenil, que nada fica a dever ao mundialmente famoso Animal Farm, de George Orwell, fiquem a saber que é um conjunto de aventuras que têm como denominador comum a personagem heróica de João Sem Medo – um jovem contestatário da aldeia de Chora-que-logo-bebes, que está farto de viver no meio de lamúrias e de lágrimas. A partir do momento em que a humidade e o verdete se tornam insuportáveis, João parte da sua aldeia, apesar de todos os receios que a sua chorosa mãe lhe apresenta. Quase profeticamente, se atentarmos naquilo que aconteceu fisicamente na Alemanha e psicologicamente acontece por este mundo fora, o nosso herói depara-se com um muro altíssimo (metáfora da ignorância que acompanha os homens) que tem como função impedir o contacto com outro mundo – a chamada Floresta Branca, espaço dos sonhos, dos mitos e do desconhecido. Ora, para chegar a esse espaço de eleição, João Sem Medo tem de atravessar o Muro, que contém a seguinte inscrição: “É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir”, dito que parece indiciar a seguinte leitura: só quem tem consciência de si poderá aventurar-se num novo mundo. A história teve um sucesso notável naquela época, tendo sido recuperada em forma de romance em 1963, quando a luta contra o regime de Salazar se revelava mais intensa. Nesta edição, o autor ainda não desconfiava, mas apresentava já a imagem de homem desafiador das regras impostas e um exemplo de coragem perante a adversidade tão necessário nos dias de hoje.

(...)


Guarda, 09 de Maio de 2011
Daniel António Neto Rocha

(Crónica Radiofónica - Rádio Altitude, no dia 10 de Maio de 2011 - disponível em podcast em Altitude.fm)

segunda-feira, maio 09, 2011

Pensalamentos emprestados #2


É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir!

(José Gomes Ferreira, As Aventuras de João Sem Medo)

quinta-feira, maio 05, 2011

segunda-feira, maio 02, 2011

"Olhai vós bem que este sam eu!": Estes deputados! Ai!, estes deputados!



"Oriundo de Oliveira do Hospital, distrito de Coimbra, o candidato socialista assume-se como um «beirão da Beira Serra» e «apesar de não ter nascido no distrito, a verdade é que fiz e ainda faço boa parte da minha vida aqui no distrito»."
in O Interior


Hoje, O Interior fez-me lembrar um textinho de Miguel Torga que integra o livro "Portugal". Miguel Torga é um homem de raízes, sendo um transmontano de gema. Daí que a alusão deste a Gil Vicente no texto intitulado "A Beira" me pareça tremendamente actual. Assim que li esta alusão ao novel deputado, lembrei-me que todos podemos ser deputados por Coimbra, pois todos vamos lá a consultas médicas ou, de quando em vez, ver um jogo de futebol. Lembrei-me, ainda, da seguinte passagem daquela maravilhosa Beira de Torga:

"Gil Vicente, que da realidade nacional sabia mais do que os próprios donos da pátria, fala assim no Juiz da Beira:

Olhai vós bem que este sam eu
Homem de boa-ventura,
Empacho nunca me atura
E hei-de dizer o meu
Como qualquer criatura.

É claro que o poeta não estava a fazer geografia humana quando divertia suas majestades, e por isso carregava para onde o gracioso pedia. Mas o bom senso de Pêro Marques é uma obra-prima de observação, e o primeiro verso da farsa é lapidar, e define o nosso homem de cima a baixo.

Olhai vós bem que este sam eu!

Teimoso como um Sísifo voluntário, nenhuma mudez original é capaz de o impedir de tornar audível o que esta afirmação promete de tenacidade, concentração, serenidade e consciência de si. Ou não estivesse a serra por detrás dos seus gestos! Medieval e tosco na capela dos Ferreiros, em Oliveira do Hospital, ajoelhado e renascido em Góis, fidalgo descobridor em Belmonte, viajante na Covilhã, guerrilheiro em Midões, pastor e camponês em toda a parte, ninguém o pode ignorar, porque ele desce a viseira, ergue as mãos, iça a vela, caminha, aponta a carabina, levanta a enxada ou maneja o cajado, e grita:

Olhai vós bem que este sam eu!"

E confirmo que ele é mesmo "Beirão", pelo menos no sentir de Torga. Daí que não é um "Beirão da beira serra"! Não descurando em Miguel Torga ou na competência deste novel deputado em ler textos sobre o Portugal de há 50 anos, talvez fosse bom que ele percebesse que o Beirão é um termo aplicado a quem é da Beira, tout court. Ou então esta marca identitária possuiria, obrigatoriamente, um determinativo: Beirão da Covilhã; Beirão da Guarda; Beirão da Beira Serra; Beirão de Coimbra; etc. e tal! Mas será que ao comprometer-se com este novo tipo de Beirão o Sr. Candidato a deputado estará a autoexcluir-se de algo que o Beirão, per si, possa possuir? Claro que é um termo apetecível, que desperta a cobiça e a inveja, e que atrai olhares lânguidos. O mesmo Miguel Torga diz porquê:

"Não é o brilho que o impõe, nem a honradez, nem a inteligência, nem outras qualidades que o português não tenha. É uma obstinação de caruncho, muda, modesta, inflexível, incapaz da piedade de ceder ao seu próprio cansaço. Mas essa teimosia dá-lhe o triunfo e a convicção de que só ele pode e deve conduzir os destinos da pátria inteira. Sem o dizer, sem o afirmar, o beirão sente-se dono de Portugal. Cingido até fisicamente às estremas da sua courela, herda, contudo, o sentido absorvente e centrípeto da mãe. E vá de inventar uma Beira transmontana, uma Beira alentejana, uma Beira estremenha e uma Beira Litoral, enquanto não se lembra de arquitectar uma Beira minhota e outra algarvia. Não há casal, dos inúmeros que se espalham pela serra fora como pequenos rebanhos de ovelhas, onde não tenha nascido um desses homens sem brilho, apagados e humildes, que começam a tocar pífaro sobre uma lapa, e que às duas por três estão no Terreiro do Paço de aguilhada na mão."

Daqui que compreendo as pretensões de quem, não querendo ser "paraquedista", tem de justificar o porquê de ter vindo de "limousine" com lugar marcado no "charter" com destino ao Terreiro do Paço e querer usufruir dos direitos de voar (não em executiva) em executiva-beirã.